Crônicas e Contos


Tic, tac
Que estranho é as pessoas prenderem as suas vidas a objetos tão pequenos e tão irrelevantes quanto um simples relógio. Afinal, qual o verdadeiro propósito dos relógios? Sim, eu sei. Parece ser irritantemente óbvio: mostrar as horas, situar as pessoas no tempo em que vivem... Mas pra que surgiu o tempo? Antigamente ninguém tinha hora marcada pra comer, pra encontrar os amigos ou simplesmente, viver. Cada um formulava uma espécie de tempo pessoal, fazia tudo o que queria na hora em que lhe era apropriada. O mundo parou de evoluir por causa disso? Pelo contrário, continuou crescendo cada vez mais... Até que surgiu o primeiro relógio. O relógio de sol. Mas esse tinha uma vantagem, ele ainda não prendia ninguém. É, seria muito estranho ver um indivíduo postado diante de uma roda de pedra com um ponteiro enorme, esperando exatamente ele estar nos ângulos certos que indicavam que era 8h12min17seg para poder finalmente crer que "estava na hora" de ir trabalhar. Não, esse relógio servia apenas para dar uma ideia de manhã, tarde e noite, e permitir que as pessoas pudessem também ter uma noção de que "os dias estavam passando". A evolução relojoeira continua. A humana também. Relógio atômico, relógio biológico, relógio de bolso, de pêndulo, de parede, de pulso, digital, eletrônico... Nossa! Não acaba mais. Pouco a pouco, este pequeno objeto, que antes tinha como utilidade apenas nos dar informações básicas como por exemplo, a posição do sol, hoje é o produto que mais tem poder de controle sobre as nossas vidas. Temos hora pra acordar, comer, escovar os dentes, trocar de roupa, ir ao trabalho, ir à escola, lanchar, almoçar, encontrar amigos, receber visitas, praticar esportes, estudar, dormir, enfim... Temos hora marcada pra tudo. Nossa vida se baseia quase que exclusivamente pelo tempo. E quanto mais tentamos organizar esse tempo, com a ajuda (quase que coercitiva) do relógio, menos tempo nós temos para nós mesmos. Pode perceber, nunca um despertador tocou avisando que estava na hora de refletir sobre o seu dia, ou pelo menos pensar sobre tudo. Até porque seria muito estranho. Muito. Imagine a seguinte cena: "TIC TAC, TOC! TRIIM! TRIIM! Momento da reflexão". Nossa, parece até coisa de um programa de rádio que sempre passa 7h02min quando eu estou indo pra faculdade... Ahn, é melhor parar por aqui antes que até eu surte com horários. Não, quer dizer, não dá. Tenho que parar mesmo. Tá na hora de assistir a novela das 20h.

Inspira, expira
Sabe aquele dia da sua vida em que parece que tudo resolve dar errado? Começando pelo maravilhoso Paranjana que, no horário de pique (06h30min), resolve passar bem quando você está ainda no caminho até a parada de ônibus. Você até tenta correr atrás, mas o motorista é tão compreensivo que nem nota a sua desesperada presença. Inspira, expira. Tudo vai dar certo. Meia hora depois, finalmente aparece outro ônibus. Mas adivinha? Lotado de diversos braços saltando para fora da janela em busca de um pouco de oxigênio. Ou até mesmo de apenas um espaço. Inspira, expira. É apenas o começo do dia. Encaremos o desafio. Após a longa (e dolorosa) viagem até a faculdade, eis que surge uma nova pedra no meio do caminho. Ou melhor, várias pedras, carregadas de ansiedade, que insistem em ocupar um vasto espaço no nosso subconsciente e nos deixam a beira de um ataque de nervos. Mas, calma! Informam-me que a cirurgia para a retirada dessas pedras vai acontecer às 14h. Inspira, expira. A esperança é a última que morre. Aguardo, ansiosamente, até a hora marcada. Vou a passos apressados até o local indicado para a cirurgia. Chego. Porém, me deparo com um aviso colado na porta do local, que diz: estamos fechados para manutenção, volte outro dia. Inspira, expira. Quem sabe amanhã... O tempo parece passar cada vez mais devagar. Mas, enfim, é chegada a hora do entretenimento. A novela da tarde começa. “Não acredita nela! Ela é a vilã da história! Sai daí, eles vão te enganar! Não acredito que você fez isso...” e assim, a pedra da ansiedade começa a aumentar ainda mais, como uma bola rolando na neve. Mas, inspira, expira. É apenas ficção. A noite chega. Imagino que, com ela, venha a calmaria. Mas só para me deixar ainda mais feliz, vem exatamente o contrário. Brigas, discussões, blábláblás... Enfim, coisas que só tornam a pedra ainda maior. Até que, subitamente, ela começa a latejar dentro da minha cabeça. Penso rapidamente que de hoje não vou conseguir escapar (finalmente vou usar meu plano funerário!), mas logo volto a ter o meu espírito cearense, e não desisto “nem a pau”. Abro a caixinha de remédios que está guardada em um armário no quarto, retiro um comprimido para dor de cabeça, vou até a minha cama e me deito. A dor demora a passar. Minhas pálpebras vão se fechando lentamente, meu corpo relaxa, e então... Inspira, expira. Bons sonhos para mim, amanhã será um novo dia. 

Doce Pesadelo

06h10min. O despertador toca. Sem sequer olhá-lo, dou um tapa no aparelho a fim de desligá-lo o mais rápido possível. Passo as costas da mão pelo meu rosto, tento abrir os olhos, mas a luz que entra pela janela do quarto me entontece. Sinto como se minha cabeça a qualquer hora fosse explodir em mil duzentos e três pedacinhos. Mas por que me sinto assim? De repente, as cenas começam a se formar em meu consciente, como se fossem flashbacks. Logo me recordo: não acredito, dei pro meu vizinho que acabou de se mudar pra cá. Mas como? Não é possível! Eu o conheci ontem mesmo. Como que para me torturar, meu consciente (de novo), aos poucos, revela novas imagens da noite anterior. Vejo-me toda bem vestida em frente à porta da minha casa, saltinho 16, vestido tomara-que-caia (no caso, tomara mesmo) preto&branco estampado, com uns babadinhos na ponta e uma maquiagem não muito gritante, nada demais. Pouco tempo depois, ele (lê-se meu novo vizinho lindo) aparece caminhando em minha direção, com o sorrisinho de lado e uma mão no queixo. Como toda mulher em sã consciência, penso: nossa, que homem lindo, gostoso, tudo de bom, perfeito, quero ele na minha cama, JÁ! Mas também, como toda mulher em sã consciência, falo: oi, achei que você nem fosse aparecer. Ele continuou com aquele sorrisinho no rosto, disse que não faria essa desfeita comigo, segurou minha mão, encostou os lábios (quentes, por sinal) nela e me convidou para ir com ele até seu carro. Eu sentia como se um enxame de abelhas estivesse dando uma festa dentro do meu estômago. Enfim, chegamos ao restaurante. Tudo parecia estar ocorrendo bem. O papo era bom e descobri que ele era fisioterapeuta, solteiro, gostava de animais de estimação, pretendia morar fixamente na casa vizinha a minha e... Eu já disse que ele era solteiro? Porém, minha felicidade começou a se misturar com preocupação. Aquele homem sentado bem na minha frente, tão perfeito como parecia ser, não poderia estar solteiro. Eu precisava verificar se ele era gay. Disse que tinha que ir ao banheiro, levantei da cadeira, e sem querer (lê-se querendo) bati com a bolsa no copo de vinho dele, fazendo com que o líquido caísse em cima da sua roupa. Prestativa como sou, rapidamente apanhei um lenço, fui até ele e tentei diminuir um pouco o estrago. Deslizei o lenço pela sua blusa bem devagar, até que cheguei à calça. Notei que algo ali mudou repentinamente, e logo, para parecer tímida, tirei a mão, pedi desculpas e sorri para ele. Provavelmente ele entendeu o recado, já que após o ocorrido, pediu a conta ao garçom e em questão de poucos minutos, fomos embora. Ao chegarmos em frente as nossas casas, utilizando a desculpa de arrumar um modo de me redimir com ele pelo acidente, convidei-o para ir a minha casa, que lá eu prepararia alguma comida para nós, enquanto ele poderia tomar banho para tirar o vinho do corpo (claro, ele poderia tomar banho na sua própria casa, mas seria muito deselegante da minha parte deixar essa catástrofe acontecer). Ele aceitou, entrou em casa comigo, mostrei onde ficava o banheiro e fui a cozinha, quase não me agüentando de tanta felicidade. Um bom tempo havia se passado, eu já tinha preparado um conjunto de chocolate, pipoca e DVDs na mesinha de centro da sala, e fui até o banheiro perguntar o porquê da demora. Ele disse, por trás da porta, que já havia terminado e que já estava quase saindo. Inocentemente imaginei que ele já estaria devidamente vestido, ou com pelo menos a calça que estava usando. Girei a maçaneta da porta devagar, e no exato momento que eu ia colocar o pé no piso branco do banheiro, sinto uma mão forte me puxando violentamente para dentro e me prendendo em dois braços grandes. Não tive muito tempo para pensar. Passaram-se dois segundos somente sentindo a respiração ofegante um do outro, a apenas 01 cm de distância. Seus lábios tocaram os meus, tão rápidos, porém tão suaves, que perdi completamente o controle das minhas mãos, que se revezavam por todo o corpo dele, até que alcancei a toalha que lhe estava cobrindo apenas da cintura para baixo, e puxei-a com força, ao mesmo tempo em que ele subia a mão por dentro do meu vestido comportado, contraindo as mãos nas minhas coxas, elevando minha perna até a altura da sua cintura, e me puxando para o chuveiro, que estava ligado. Deixei que ele me encostasse no box e que tirasse de uma vez o meu vestido, enquanto que eu arranhava seu peito e suas costas e dava mordidinhas de leve na sua orelha e nos seus lábios. Pouco, a pouco, nós estávamos nos tornando um só, quando... 06h10min. O despertador toca. Finalmente me recordo que tudo não havia passado de um sonho, e que na verdade, eu estava cansada por que tinha passado a noite ajudando, o meu novo vizinho, a estudar para um concurso que ele faria hoje, porque eu também faria, e já estava atrasada para a prova.

Loucura de Amor 
O ser humano é capaz de inventar diversas formas sem sentido para expressar seus sentimentos. Uma delas é a Loucura de Amor. Se você não foi vítima de alguma (pelo menos não por enquanto), com certeza deve ter casos na família ou já viu o sofrimento de alguém que por alguma fatalidade da vida já passou por isso; e você consequentemente deve ter gargalhado bastante no momento em que viu ou soube, aposto. Quando se fala no assunto, a cena já começa a se formar na nossa cabeça. Você vê aquele carro todo enfeitado na porta de uma casa, tocando aquela música do Roberto Carlos ou aquela música tema do Titanic, com aquela gravação de frases feitas sobre o amor e aquele aglomerado de gente ao redor, abafando aquelas risadinhas maliciosas. E se o pobre coitado for daqueles bem sortudos, ainda ganha aquele buquê de rosas vermelhas com aquela dedicatória, que por sinal, também é composta de frases feitas. Com apenas um único diferencial, é claro. Aquela assinatura do “seu eterno apaixonado” embaixo. Mas é óbvio que devem existir várias outras formas de Loucuras de Amor. Como por exemplo, um rapaz pode chegar na casa da namorada vestido com uma camisa que diz, “to louco de amor por você!” e considerar isso como sendo uma forma de Loucura de Amor. Claro que pode. Por que não? Vale tudo no amor e no jogo, certo? E... Ah! Já ia esquecendo. Não posso deixar de comentar também dos apaixonados obsessivos, neuróticos, que querem provar de tudo quanto é jeito seu amor. A Loucura deles é diferente. É loucura mesmo! Daquelas de se amarrar o sujeito numa camisa de força e mandá-lo com passagem só de ida para “Onde Judas Perdeu as Botas”. Vai dizer que você nunca viu, seja em qualquer lugar, aquele ser humano desprovido de juízo, dizendo que vai se jogar de um prédio, se cortar com um estilete, se atirar na frente de um carro, enfim, morrer mesmo, só para dizer (e comprovar) que faria de tudo pela pessoa? Água benta para esses loucos! Ou, um excelente psiquiatra se achar que resolve. Enfim, são diversos os tipos de Loucura. E se eu for perguntar a cada pessoa, cada uma terá uma história diferente para compartilhar. Afinal, louco sempre comete loucuras. Louco sempre ama. E louco que é louco, nunca deixa de inventar a cada dia novas formas de Loucuras de Amor.

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